Pré-Urbanismo e os Humanistas [ensaio 5]
- Urbanismo
- 8 de dez. de 2019
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O URBANISMO DA FRANÇOISE CHOAY
O livro “O Urbanismo”, publicado em 1965 pela historiadora FRANÇOISE CHOAY é até o tempo presente o mais denso livro contando o surgimento do Urbanismo a partir de uma inflexão na história – a sociedade industrial. Arrisco a dizer: ninguém consegue entender Urbanismo e Planejamento Urbano sem passar pela Françoise Choay. Seria cômico ouvir de um urbanista ou planejador urbano a frase “nunca precisei ler o Urbanismo”.
Por que este livro é tão importante para entendermos o Urbanismo?
Por três questões: ele expõe os fatos da sociedade urbana; expõe o espaço histórico e; por fim, delineia modelos de cidade (utópicos ou não).
Há dois anos, um aluno fez a seguinte provocação: Wesley, como começo estudar urbanismo? Depois, recebi e-mails e ainda continuo sendo provocado pela mesma questão. E, desde o Diego, levei dois anos pensando a melhor maneira a este diálogo.
Vejam bem, há trilhas verdadeiras sobre o Urbanismo, isto é, não verdades verdadeiras. Bem como, há trilhas complexas quanto ao que seja a cidade. Você pode entender melhor o conceito de cidade através do Lewis Mumford em seu livro “A Cidade na História”. Mas, se você quiser entender Urbanismo, nenhum livro chega ao nível dos fatos como da Choay. A meu ver, nem mesmo “A história do Urbanismo” do Pierre Lavedan (1926-1952).
Pode existir livros com uma linguagem mais acessível, mas nunca serão densos suficientes para entendermos a complexidade da sociedade urbana no mundo pós-industrial.
Para isso, a autora propõe um percurso para entendermos modelos de cidades: pré-urbanismo progressista, pré-urbanismo culturalista e pré-urbanismo sem modelo e; o urbanismo progressista, culturalista e naturalista. Por fim, um percurso mais ensaístico: a tecnotopia, a antropólis e a filosofia da cidade. Todo leitor do livro confunde muito o percurso que a autora faz. Por isso tenham consciência: o livro converge ao entendimento do modelo progressista e culturalista. As demais reflexões são secundárias ao entendimento desses modelos. Isso não é claro se o leitor não estiver atento a que ponto a autora deseja chegar.
PRÉ-URBANISMO
Uma rua de um bairro pobre de Londres. Gravura de Gustave Doré de 1872. Fonte: Benevolo, 1999.

Sendo assim, vamos começar pelo pré-urbanismo caracterizado por dois grupos de pessoas: os humanistas e os polemistas e, vamos dar ênfase aos humanistas. No ensaio seguinte entraremos nos polemistas.
Os humanistas foram pessoas observando e convivendo com a perversidade da cidade se numa sociedade em desordem. Ou seja, foram homens e mulheres relacionados a Igreja, figuras públicas, médicos e higienistas. E suas contribuições críticas foram positivas aos primeiros delineamentos políticos e sociais do Urbanismo e Planejamento Urbano.
Qual realidade urbana ao surgimento deste grupo?
O crescimento demográfico sem os governos terem noção dos impactos à realidade urbana. Nem mesmo saberem como pensar uma cidade para tantas pessoas. Fiquem cientes que o planejador urbano não era uma figura definida tal como nos dias de hoje. Ora, se eu – governante - não sei controlar este crescimento é claro o espaço social da desordem urbana, provocando desordem na política e na própria lógica industrial;
A cidade medieval e barroca tendo se adaptar ao espaço social da desordem;
O realismo de Haussman buscando adaptar Paris às novas lógicas econômicas e sociais. Prejudicando a classe operária, chocando pessoas habituadas ao belo da cidade medieval e barroca, incomodando os pequenos burgueses expropriados das transformações e lógicas econômicas. Mas foi a forma mais admissível pelos industriais à sua ampliação e conformação nos subúrbios;
A racionalização de vias pelas grandes artérias urbanas;
Definição das centralidades urbanas e econômicas formulando os contextos das formas urbanas;
Definição de centralidades com casarões, igrejas, bairros residenciais pensando sempre nos privilegiados;
A lógica econômica passa a definir centralidades de negócios através de grandes lojas, hotéis, cafés, prédios para alugar etc.;
Constitui-se a suburbanização quando as indústrias se implantam nas bordas da cidade construindo moradias a classe média. Distanciando-se da desordem na vida urbana cada vez marcada pela insalubridade do espaço habitado.
É por estes aspectos (e muitos outros) que a cidade do século XIX ganhou forma pela maneira do pensar, do agir e intervir da burguesia, dos industriais, das formas de governo e pelos sistemas econômicos se constituindo.
Nesta sentença há uma provocação: se a cidade toma forma aos privilegiados. E, não ao proletariado. Resta-nos a questão: o que é a cidade do proletariado? Bom, o livro “História da cidade” do Leonardo Benevolo, tem uma descrição síntese e minuciosa das paisagens da pobreza urbana deste momento da história.
De modo geral aponto algumas características do proletariado:
Ausência de casas para viver desdobrando-se em doenças e na instituição da insalubridade do habitat urbano;
Crianças trabalhando na extração de mineradoras. “Vendidos” pelos pais na esperança de um futuro melhor. Bom, não recordo (irei pesquisa) onde encontram um cemitério de crianças mortas, pois desciam os poços e morriam asfixiadas;
Homens e mulheres trabalhando na indústria com poucas horas de descanso e sem espaço para descanso. No livro do Benevolo há figuras ilustrando a precariedade do descanso na própria rua, nas valas de esgoto, embaixo das casas de madeira, em quartos sublocados sem camas (alugados) e etc.;
Idosos trabalhando nas linhas de montagem;
Crianças e adolescentes trabalhando na linha de montagem;
E muitos outros aspectos.
Ora, o que a industrialização prometeu como sono de cidade?
Educação, saúde, lazer, espaços de moradia, casa própria, consumo, melhoria de vida, salários, médicos, hospitais, cultura, segurança e um futuro aos filhos e pais idosos. Portanto, uma outra experiência de tempo e vida social.
A verdade é que até hoje 07.12.2019 a PROMESSA nunca foi cumprida e vivemos em um ciclo sem fim: dormir, descansar o corpo, acordar, trabalhar, estudar, sustentar-se, comer, um pouco de lazer e, por fim, repetir o processo de produção da vida. Ou seja, uma vida sem experiência de tempo e de espaço. Apenas, meros sujeitos agindo pelo inconsciente maquínico do capitalismo. No fundo, não vivemos mais, apenas existimos e coexistimos quando nos conformamos pela alienação.
Neste contexto, os humanistas começam a observar a forma da cidade sendo estabelecida entre privilegiados, industriais e proletariado.
A falta de moradia privada e do espaço público era a grande necessidade observada pelos humanistas. A cidade surge como promessa e a indústria o meio para alcançar sonhos de um bom lugar para viver, conviver e morrer. Um lugar a ser chamado de lar. Um lugar encantado pela qualidade de vida prometida à vida pública e privada.
Mas a industrialização esqueceu suas promessas, as enterrou em um tumulo tão escuro que até hoje não foi descoberto.
Por isso, em busca de respostas e modelos para resolver essas desigualdades os humanistas surgem publicando artigos em jornais e revistas. Desencadeando as primeiras formas de “planejamento urbano” e urbanismo pelas infraestruturas de higiene. Na Inglaterra os humanistas com suas provocações da sociedade em desordem, terminou influenciando a criação da lei inglesa do trabalho e da habitação.
Eis, o início do urbanismo e uma gênese do planejamento urbano!
MEDEIROS, Wesley. [Série I] Pré-urbanismo. Urbanismo.blog, [S. l.], 1 dez. 2019. Disponível em: https://urbanismopur.wixsite.com/meusite/blog. Acesso em: 7 dez. 2019.
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