Leitura urbana e social usando mapas temáticos
- Urbanismo
- 5 de abr. de 2020
- 11 min de leitura
Texto para debate na disciplina Sistema de Informação Geográfica (SIG)
Prof. M.e. Wesley Medeiros
Mapa 1 – Uso e Ocupação do Solo
O Mapa de Uso e Ocupação do Solo é um dos principais mapas temáticos no trabalho do arquiteto e urbanista, seja em sua vida profissional ou acadêmica. O problema a ser enfrentado aqui parte do fato de que alguns professores pouco sabem usar o mapa como um texto a ser lido, compreendido e interpretado.

Imagem disponível no https://www.flickr.com/ por Camila Ghendov
Antes de tudo, vamos amadurecer nossa compreensão de análise. A análise não visa encontrar aspectos positivos e negativos de dada área urbana. Infelizmente, muitos professores se utilizam desta ideia pressupondo que, assim, é mais fácil para os alunos. A realidade não é bem assim, pois numa análise urbana busca-se compreender um pedaço da sociedade habitando um determinado espaço urbano. Esta realidade pode apresentar finitos aspectos do que é o presente, suas relações com o passado e assim, traçar tendências do futuro.
Sendo assim, não existe análise de área urbana e sim da morfologia urbana. É isso que o Mapa de Uso e Ocupação do Solo pretende revelar: a estrutura, o funcionamento e conteúdos sociais presentes na morfologia. Como exemplo, consideremos a imagem de que um corpo humano como sendo uma morfologia biológica: nesta morfologia existe um conjunto de membros que podem ser tocados, sentidos, observados, ouvidos etc.; isto é, cada membro possui uma função dentro do corpo humano. Estes membros vamos chamar de ‘formas da estrutura morfológica’ do corpo humano.
Entre a estrutura morfológica e as formas que a estrutura existem conteúdos que podem ser aprendidos, mas nunca desvendados em sua totalidade, pois o espaço urbano é apenas um conteúdo de uma força maior chamada CIDADE. Por enquanto, entendam que a CIDADE é uma imaginação que usamos para encontrar nosso ponto de referência entre espaço e tempo (abstração de nossas vidas). Isto é, sem a imagem da cidade não nos entendemos como seres sociais vivendo com outros em sociedade. Não seríamos capazes de quase nada se nossa referência fosse o espaço físico observado por nós, ou melhor, não teríamos consciência do passado, do presente e nem perspectiva de futuro.
O espaço urbano é uma estrutura de objetos fixos, como edifícios, sistema de vias, infraestruturas urbanas. Assim, observamos nele um mundo materializado ao nosso redor. Este espaço urbano pode ser submetido a finitas interpretações na nossa formação. No caso deste trabalho, é preciso entender: a ocupação humana, a forma de moradia pelas quadras e lotes, a maneira como espaço natural e construído se encontram, o papel do Poder Público e da sociedade em relação à vida urbana. Ou seja, ao que podemos chamar de ‘ambiente de moradia coletiva’ onde conflitos e interesses podem desfigurar possibilidades a qualidade do espaço urbano, portanto, da vida que o habita.
Quando estamos analisando uma pequena porção do espaço urbano a forma adequada de falarmos, pesquisarmos, analisarmos e construir interpretações, trata-se de fazer uma morfologia urbana. Quero dizer, o espaço delimitado no QGIS é uma morfologia, um pedaço do grande espaço urbano onde se encontram os bairros e suas estruturas. Como no caso do corpo humano, esta morfologia possui seus membros que agora vamos chamar de FORMAS URBANAS, ou melhor, a quadra com os lotes relacionando-se à rua e às pessoas.
O que isso significa? Que devemos entender relações dentro da morfologia para então tecermos interpretações sociais e urbanas. E, para isso, proponho que vocês retomem a imagem da cidade na mente de vocês e entendam o seguinte: quando você sai de casa para pegar um ônibus para o trabalho, de imediato você está dando sentido à morfologia urbana como um espaço da vida coletiva onde toda e qualquer pessoa exerce seu direito de ir e vir. Ou melhor, estamos falando que a sua liberdade só pode ser exercida na CIDADE – amplo espaço do coletivo; quando você retorna para casa, seu corpo e consciência entram em um espaço construído dentro de um lote murado, imediatamente você incorpora uma ação privada de isolamento da vida coletiva, pois os muros demonstram que há algo errado na imagem que seus pais (construtores ou compradores da casa) têm da vida em sociedade, transferindo-a ao isolamento da moradia; no final de semana você encontra seus vizinhos indo à igreja, ao shopping, ao centro etc., ou seja, você faz parte de um ciclo de usos do espaço urbano que vai acontecer entre outras quadras, bairros e a cidade conforme cronometro do relógio (24 horas). Isto é, as pessoas saem do mundo privado em busca de alguma experiência que, infelizmente, está mais associada ao ato de consumir.
Então, sua vida diária no lote, indo ao ponto de ônibus, voltando para casa, encontrando seus vizinhos etc., é na verdade similar a de outras pessoas vivendo nas quadras cotidianamente observadas por você. Estas ações diárias configuram conteúdos sociais da morfologia urbana, ou ainda, conteúdos espaciais do espaço urbano.
Isto é, nossas ações diárias definem comportamentos coletivos dando ao espaço urbano significado, ou seja, ele está sujeito à maneira como nós o usamos e o imaginamos. Ademais, o espaço pode ter distinções diversas entre bairros, cidades, regiões e países. Ou ainda, você pode observar que o espaço coletivo “da rua” onde você mora possui algo que agrada seu consciente, subconsciente e inconsciente, mas em outras quadras próximas o campo visual lhe parece estranho, pois a forma como pessoas resolvem morar (no sentido de construir ao isolamento privado) incorporam significados da FORMA URBANA e, isso pode configurar paisagens que geram certos sentimentos em nosso ato de andar e perceber os elementos urbanos ao nosso entorno. Ou seja, existe especulação, hipóteses e dúvidas acerca de tais conteúdos. Por exemplo, os ossos do corpo é a morfologia, os ossos das pernas é uma forma e o cálcio é um conteúdo mineral indispensável para o funcionamento da forma que dá vida à estrutura morfológica. Portanto, o cálcio seria o conteúdo social e espacial da estrutura morfológica de ossos.
Sendo assim, consideremos que o espaço urbano que nós analisamos nunca é estático, pois estamos presos ao fenômeno urbano – um espaço de mutações diárias. A questão aqui é como fazer a análise: pode uma morfologia urbana pequena (em torno de um lote) a interpretações minuciosas da vida e do espaço urbano; como pode delinear uma ampla morfologia com uma multiplicidade de formas urbanas (com seus bairros, ruas, paisagens, usos e atividades).
Então, em nosso primeiro trabalho, foi delimitado uma morfologia urbana dentro de um grande espaço urbano por um perímetro chamado de entorno imediato. Imediato ao que? Imediato em relação ao tipo de projeto a ser implementado ou de ações do poder público em relação àquela morfologia urbana. Imediato pois representa o pedaço do desenho da cidade onde vamos encontrar as formas urbanas (com quadras e lotes), a estrutura de funcionamento pelo sistema de vias, calçadas, áreas verdes etc., e por fim, pelo dinamismo entre o dia e a noite.
Na morfologia, deve-se identificar o conjunto de variáveis mensuráveis ou que não possam caracterizá-la. Isso sem qualquer julgamento positivo ou negativo, pois o arquiteto não atua no campo do verdadeiro e do falso. Ele pensa, sim, como o Estado (que regula o uso do solo) e a sociedade (que ocupa e dá sentido ao urbano) se entrecruzam pela maneira como a morfologia urbana se comporta por aquilo que é material (edifícios, vias, praças, calçadas, árvores, infraestrutura, equipamentos urbanos etc.) além de aquilo que é imaterial (o cotidiano das pessoas). Assim geram-se reflexões sobre o comportamento social das pessoas.
No geral, tais reflexões sempre estão relacionadas à maneira como as formas urbanas se estruturam em um desenho e um projeto que deem certo aspecto geral à morfologia. Ou seja, há de pensar onde as pessoas moram, por onde passam e se possuem alguma relação de contato com outras pessoas; se se sentem bem pela qualidade acústica, da paisagem e da forma como o espaço a recepciona; se sentem inseguras. Só assim apontaríamos mais reflexões a serem desenvolvidas, algo que, ao longo do curso, vocês terão a possibilidade de aprender.
Sendo assim, vamos entender algumas questões sobre o conteúdo mapeado:
i. Uso residencial – representa o número de edifícios dentro de uma forma urbana chamada quadra, com seus lotes, árvores, vegetação, calçadas, recuos etc., neste momento é preciso entendermos a relação das edificações com as legislações urbanas sobre os índices urbanísticos do zoneamento, sobretudo a taxa de ocupação, pois ela pressupõe a salubridade do ‘ambiente de moradia’;
ii. Uso comercial tipo 1 - representa o comércio, construindo a dinâmica específica da morfologia em análise. A partir deste tipo de comércio, pode-se pensar em movimentos diários da morfologia, do bairro e dos bairros próximos. Podemos ainda imaginar que este comércio representa um nível de qualidade de vida onde os moradores locais não precisam de grandes deslocamentos para acessar bens próximos às suas casas. Apontemos alguns tipos de comércios: os de tipo 1 são mais acessíveis no dia a dia do bairro, como atividades relacionada ao aviário, papelaria, vidraçaria, artesanato, loja de fotos, revenda de gás de bairro (sem funcionamento 24 horas – que identifica o tipo 2); distribuidora de jornais, botequim do dia a dia do bairro (aqui, sempre analisem o funcionamento, e se o uso é feito na cidade ou em vários bairros); depósitos de apoio aos comércios locais, boutique, açougue, bazar, farmácia, quiosque e outros que possam aparecer, como salão de beleza;
Tipo 1 menos presentes na morfologia urbana e no desenho da cidade, embora sua função não proponha um dinamismo nos fluxos urbanos: cinema, teatro, mercearia, malharia, oficina mecânica, sacolão, serralheria, marcenaria, madeireira, academia de ginástica, boate, casas de shows, material de construção, esquadrias de alumínio, doceria, perfumaria, borracheiro, bares (de bairro), pastelaria, lanchonete, pizzaria, floricultura, gráfica, cinema fora de shopping, teatro;
iii. Uso comercial tipo 2 – representa a oferta de bens procurados pelas pessoas da cidade e, por isso, são polos geradores de fluxos, portanto, representa o impacto ambiental se não houver gestão urbana e planejamento urbano. Ou seja, eles dão sentido a cidade (imaginada em nossa consciência) no dia a dia e definem linhas de ônibus que saem de bairros em direção à cidade. Geralmente, se encontram no centro da cidade ou em ruas cujo zoneamento orienta e permite somente este tipo de atividade comercial. Por isso, encontramos lojas de eletromóveis uma próxima da outra. Este tipo de uso não deve ser permitido pelas legislações urbanas em zonas industriais ou residenciais, mas podem e devem ser permitidas em vias com edifícios de uso misto, pressupondo a ideia de moradia, trabalho e comércio no mesmo ambiente de moradia. Outras atividades se encontram em avenidas de uso apenas de comércio especializado, como: cinema, teatro, mercearia, malharia, oficina mecânica, sacolão, serralheria, marcenaria, madeireira, peixaria, confecção de corte e costura;
iv. Uso comercial tipo 3 – representa atividades nas bordas da cidade, atendendo pessoas da cidade e de outras cidades. Eles demandam proximidade a avenidas que chegam a rodovias, facilitando o acesso a suas mercadorias, as quais são vendidas em longos períodos. Ou ainda, se tornam um polo gerador de tráfego, algo impossível de acontecer onde existe moradias e outros usos comerciais. Apontamos alguns tipos de atividades comerciais que também podem ser enquadrados como “serviço”: abatedouro, restaurante de apoio a caminhoneiros, posto de gasolina sem lavagem de automóveis, posto de gasolina (que mesmo dentro da cidade não deveria ser permitido). Os shoppings devem estar fora da cidade como grandes lojas, como Havan;
v. Serviços – representa atividades vendendo alguma mercadoria imaterial, como hospedagem, assistência técnica, clínicas privadas, hospitais, escolas privadas etc. Raramente se encontram nos bairros e sim em morfologias de uso misto. Apontemos alguns exemplos: clínica veterinária, pousadas, hotéis, bancos, cartórios, academias, qualquer tipo de clínica, consultório dentário, cabeleireiro, garagem de ônibus público e privado, concessionárias, mercados, supermercados e hipermercados (dependendo da análise de influência destes serviços, eles podem e devem ser abordados como comercial 1, 2 ou 3);
vi. Industrial – representa serviços distantes da cidade pela sua capacidade de impactar a natureza e gerar desconforto acústico e urbano. Apontamos alguns elementos: fábrica de carros, fábrica de produção de alimentos, fábrica de sorvete, fábrica de massas, fábrica de pré-moldados de concreto, marmoraria, fábrica de gelo etc.
vii. Institucional – representa de modo geral grandes equipamentos institucionais privados com um público específico em termos de renda. No geral oferecem serviços com maior tempo de funcionamento e interação com a cidade do que os serviços apontados anteriormente. Geralmente se encontram dentro de áreas mais ricas e com mais infraestruturas e serviços urbanos. Apontemos alguns exemplos: hospitais privados, faculdades privadas, grandes clínicas médicas, ambulatório privado, revendedoras de mercadorias, polos EaD, edifícios corporativos, escolas privadas (da creche ao ensino médio). Superando a ideia do privado, existem aqui atividades institucionais públicas: rodoviárias, estações de transporte público, hospitais de grande porte e universidades públicas;
viii. Equipamentos Públicos – representa qualquer edifício com uma função relacionada aos direitos dos cidadãos previstos no artigo 6° da Constituição Federal de 1988, como: escolas municipais, escolas estaduais, postos de saúde, centros de tratamento, correios, ambulatório público, grupamento militar, defesa civil etc.;
ix. Uso comunitário – representa atividades na cidade que espelham valores de um grupo social organizado, como: igreja, templo, sindicato, sede de associação de bairros etc.
x. Vazio urbano – representa lotes/áreas sem ocupação dentro da morfologia urbana, criando inúmeras dificuldades ao cotidiano da população local, pois raramente são cuidados, servindo de lixeira com mata alta, o que, por sua vez, gera insegurança. Por outro lado, representa a deseconomia da sociedade e do poder público, pois infraestruturas estão presente no espaço urbano.
Por este mapa é possível compreender a morfologia urbana pelas quadras, lotes, ruas, infraestruturas urbanas e equipamentos urbanos. Por outro lado, é possível reconhecer a qualidade da paisagem, ou melhor, o que agrada e não agrada os olhos de quem passa ou vive em dado espaço. Acerca da paisagem, o mapa revela simbologias da paisagem diurna e noturna, isto é, da paisagem iluminada gerando níveis de percepção ambiental e segurança pelos equipamentos e serviços de iluminação pública.
Mais ainda, com este mapa é possível construir interpretações dos conteúdos sociais dentro da morfologia urbana: as pessoas na rua, nas janelas de seus edifícios, nos pontos de ônibus, na calçada circulando, nas sombras, nos bancos e uma finidade de outras observações. Entra em questão, portanto, que os conteúdos sociais representam dinamismo que o arquiteto deve saber apreender, compreender e interpretar. Cada arquiteto tem sua forma de ler o espaço urbano e, portanto, planejá-lo, propondo projetos urbanísticos a ele correspondentes.
A dimensão urbana deve ser a primeira questão que o mapa de uso e ocupação do solo deve revelar. Isto é, a forma como as materialidades se relacionam com o sentido da vida urbana. Nesse sentido, o edifício é o objeto essencial de ser observado, pois ele pode mostrar uma área urbana caracterizada pelo isolamento dentro do lote. Ele pode demonstrar uma área em que o uso cotidiano de pessoas circulando é contínuo durante o dia e a noite; pode demonstrar um péssimo ou bom funcionamento de atividades noturnas as quais geram segurança ao espaço urbano; pode demonstrar a diversidade de alturas edificadas (os edifícios) revelando aspectos de conforto (sombras, ventilação e iluminação); pode revelar o desconforto acústico diurno e noturno; pode mostrar a salubridade da moradia se observarmos, pelo Google maps, a existência de mais áreas construídas do que áreas verdes/permeáveis; pode revelar que sem calçadas não há preocupação com o cidadão e o direito de ir e vir; pode mostrar que deficiências com o conforto ambiental e a qualidade da paisagem pela falta de arborização, arborização mal cuidada, arborização dispersa (uma árvore longe da outra) e mais ainda, ausência de calçadas e canteiros centrais com vegetação integrada à iluminação; pode revelar se existe lugar do pedestre (bancos, pontos de ônibus, sombras); pode revelar se existe infraestrutura de drenagem urbana pelas bocas de lobos; pode revelar se as ruas e calçadas estão niveladas com a topografia, evitando-se assim erosões e a precarização de pisos e pavimentação; pode revelar as sinalizações em prol da segurança dos pedestres; pode revelar os níveis de qualidade da calçada; pode revelar se existe preocupação ou não com o Portador de Necessidades Especiais; pode revelar mais espaço aos estacionamentos do que ao pedestre; pode revelar se existe praças ou áreas de convívio para lazer ou passeio de crianças, idosos e animais. Assim, podemos juntar as peças desta análise e construir interpretações capazes de orientar um planejamento que vise a qualidade da morfologia urbana, orientar a formulação de leis, orientar decisões públicas a melhoria da qualidade de vida etc.
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